terça-feira, 30 de março de 2010

Marcenaria de Quintal

Quem nunca deu uma de marceneiro de quintal? Talvez, para a geração de garotos de hoje, a internet seja o principal atrativo quando se fala em diversão e passa-tempo, mas para alguns de nós, um pouco mais velhinhos, quando conversas com vídeo era coisa de cinema Sci-Fi, e celular eram duas latas de leite ligadas por um barbante, muitas vezes nossos quintais eram o principal ingrediente da fórmula secreta da diversão.

Telefone de Lata, principal meio de comunicação dos
Marceneiros de Quintal.


Recolher Matéria Prima, muitas vezes destroços de eletro-eletrônicos e aparatos domésticos diversos, já era por si só pura diversão. Para aqueles que tiveram a sorte de morar em cidades pequenas e pacatas, como Areia, aventurar-se em territórios alheios em busca de aventuras era fator determinante na personalidade de 9 em cada 10 garotos com idade entre 8 e 18 anos. Essas aventuras por si só renderão um Post futuro.Diante do vasto mundo dos materiais abandonados, tudo que chamava atenção era motivo de exploração e valia a pena ser investigado aos detalhes.

E nesse mundo maravilhoso da criatividade TUDO pode ser aproveitado. As velhas havaianas, que tinham a mania de torar a correia, quando não eram reaproveitadas com um prego ou arame para segurar a correia, eram rapidamente recolhidas e transformadas em matéria de primeira para a confecção de pneus de carrinhos de madeira e lata. Latas de óleo eram aproveitadas e transmutadas em lataria de primeira qualidade na prensagem das partes metálicas dos carrinhos.
Sandálias Havaianas, largamente utilizadas na confecção dos
pneus de carrinhos de lata.



Carrinho de Lata, uma especialidade dos
Marceneiros de Quintal.


Já os guarda-chuvas eram muito mais versáteis, suas hastes eram utilizadas desde eixo de rodas de carrinhos até agulhas de zarabatanas feitas com espuma de colchões velhos e atiradas por meio de um super cano de PVC.

Guarda-chuva pronto para reutilização.

Eis que surge a nossa vista o maior material já inventado por Deus no suporte dos garotos marceneiros de quintal, a madeira. Oriunda das mais diversas fontes, desde caixotes de frutas como uva, pêra e maçã, passando por pedaços de móveis e camas até direto da fonte em árvores e arbustos, esse material, altamente moldável e ajustável era a base de quase tudo que queríamos inventar. Nele podíamos colocar pregos e parafusos, ou mesmo cortar e serrar, tudo dependendo unicamente da nossa vontade e de um fator determinante que falarei mais na frente, as ferramentas. Muitas vezes maltratada e utilizada por nós como alvo de tiros de nossa potente zarabatana, a madeira sempre foi fundamental.

Caixote de madeira, muito utilizado nas invenções domésticas.

Como nem tudo que reluz é ouro, comummente acontecia de pegarmos algo que depois de carregarmos durante todo o percurso se mostrava ineficaz ou mesmo era substituído por outro material mais adequado. Também era comum pegarmos algo que não podia ser pego, já tinha dono, que muitas vezes, quando encontrada dentro das imediações de nossas casas pertencia a nossos pais e estava em perfeitas condições de uso. Mas nós adorávamos desmontar e desmantelar. O que nos rendia alguns contratempos domésticos (um carãozinho, um castigo, ou pior...). E, algumas vezes ainda, pegávamos materiais demasiadamente perigosos, que nos renderiam uns ferimentos e arranhões a mais, ou mesmo mais contratempos domésticos (um carãozinho, um castigo, ou pior...).

Gaiola de Ferro, amplamente utilizada para domar, quando
necessário, os Marceneiros de Quintal.


Depois de reunida toda a Matéria Prima, eis que surge o grande problema: onde conseguir ferramentas? Quem tentou se aventurar como eu sabe que nossos pais não eram bobos. Eles sabiam que nós ficaríamos maravilhados com suas ferramentas reluzentes, tentaríamos utiliza-las e acabaríamos avariando aquilo que não deveríamos. Sendo assim eles separavam umas ferramentas "pé-de-chulé", aquelas acabadas e sem serventia, mas que eles achavam que em nossas cabeças acharíamos melhores que as deles. Pura ilusão... Onde um martelinho enferrujado e com o cabinho de madeira suja seria melhor do que aquele MARTELO TRAMONTINA, com cabo resinado e cabeça reluzente. Pois é... ao final de nosso dia de trabalho, cadê o martelo? Mais alguns contratempos domésticos (um carãozinho, um castigo, ou pior...).


Martelo Tramontina, altamente cobiçado pelos
Marceneiros de Quintal.


Não importa. No final o nosso suor e o resultado de horas de trabalho, sozinho ou acompanhado, sempre rendia a satisfação de saber que a nossa Obra de Arte serviria plenamente para...


... nada...


... a não ser para preencher nossos espíritos aventureiros e emprenteiros, ou para somar mais um brinquedo que usaríamos até anoitecer, ou melhor, até que nossas dedicadas mães nos chamassem para jantar, e que depois juntaria-se aquela pilha num quartinho separado por nossos pais especialmente para nossas artimanhas.

Talvez grandes inventores tenham sido Marceneiros de Quintal, talvez grandes idéias tenham surgido da cabeça de grandes garotos. Talvez... eu não sei. Mas que passar um dia inteiro vivendo como o que quer que quiséssemos era maravilhoso, isso era.

Bons tempos!